Não dá para saber se o som metálico é uma colher batendo na frigideira ou um prato bem tocado na bateria da banda. Apitos, agudos e graves, batuques e breques. Cozinha tem barulho e na minha cozinha sempre tem jazz.
Música na cozinha inspira e deixa a comida mais feliz. E, para mim, nada harmoniza tanto com as panelas e pratos quanto o jazz. As dualidades da cozinha se refletem na música: improviso e controle, precisão e relaxamento, ritmos rápidos e lentos, sabores fortes e suaves.
Na cozinha e no jazz, improvisar é fundamental. Ouvido absoluto atrapalha, às vezes tem que saber mexer um pouco na afinação, trocar o creme de leite por requeijão e tirar o bolo antes do tempo indicado na receita. Os instintos na cozinha devem ser respeitados, porque todos os seus sentidos sabem o que é comida boa. Há de se seguir a partitura, mas os amores e humores podem querer mudar um pouco as harmonias e fórmulas para que a música aconteça. E por mais respeito que se possa ter pela receita, o prato nunca é exatamente igual e se transforma numa melodia fugaz que encanta o paladar uma única vez.
Toca o jazz, o vapor escapa, a panela arranha o fogão e a faca bate ritmada picando pedacinhos breves. Os barulhos da cozinha nos avisam que de lá vem comida boa, e a música preenche os ouvidos e sacia a alma.
Da música e da cozinha tiramos o que é essencial, e música que a gente gosta é tão aconchegante quanto cozinha de mãe. Amassando delicadamente a massa de torta e assoprando a colherada de caldo para provar o tempero, ao som do dedilhando do piano e do sopro no trompete, a vida na cozinha é feliz.
E se tiver um improviso, um tempero novo, um tempo a mais, uma batida diferente, tanto melhor. Porque a boa comida e a boa música vêm da alma e abraçam o estômago.