Não me lembro de um início de janeiro que não trouxesse junto um início de dieta. A esbórnia da passagem de ano e a carga de força e coragem que nos inunda formam um quadro perfeito para as resoluções e promessas que vão, finalmente, nos transformar em pessoas perfeitas. Agora vai!
Mas eu já vivi isso o suficiente para saber que não funciona, que não é o fato de ter um ano novo em folha que vai fazer você conseguir alguma coisa que sempre tentou e nunca conseguiu. É claro que podemos superar nossos limites em qualquer momento da vida, mas não é o mês de janeiro que vai dar conta disso. Ele não pode ter tanta responsabilidade. De fato, essa sensação de que estamos em um portal que pode se fechar a qualquer momento (“é agora ou nunca!”) não é boa para as conquistas e evoluções, que devem ser construídas no dia-a-dia, sempre. E, às vezes, janeiro após janeiro, percebe-se que os objetivos já são outros, e que as resoluções radicais e inatingíveis só causam frustração. É de uma paz infinita compreender isso e também aceitar que alguns limites fazem parte de você e que talvez não tenham que ser superados. Eu aprendi que não consigo fazer dietas radicais. Na verdade, eu até consigo fazê-las, mas não consigo mantê-las. A falta de perspectiva do prazer me desanima, e tendo a ficar infeliz, amarga e sem sal.
Não gosto da falta de liberdade de escolha:
“coma 3 folhas de acelga, meio tomate e 214g de filet de frango grelhado em 1/2 colher de chá de azeite”.
Não gosto da hipocrisia:
“jantar: delicioso shake de quinoa e couve”.
Não gosto das dicas irritantes:
“você pode ir ao restaurante japonês, desde que se limite a 3 sashimis e 2 sushis, e coma nabo à vontade”.
Até os jargões dos textos de dieta me irritam:
“passe longe das frituras”, “abuse da água de coco”, “pode se jogar nas folhas verdes escuras”.
Morram todos.
Então, depois de alguns muitos janeiros e suas promessas de dietas indefectíveis, percebi que, para mim, o que funciona é o equilíbrio. Mas não o equilíbrio de um monge budista, que vive seus dias numa constância inabalável, mas o equilíbrio da Mitologia Grega, uma oscilação entre Apolo e Dionísio que faça meu corpo saber que deve se comportar com retidão na maior parte do tempo, mas que também tem direito de sair da linha, porque é humano e precisa se sentir feliz.
Os gregos acreditavam nesse equilíbrio: a razão não existe sem a emoção, a ordem não existe sem o caos. E o ser humano precisa de ambos. Apolo representa o espírito da ordem, racionalidade, lucidez e harmonia intelectual. São as decisões conscientes da rotina, dos dias laboriosos, das refeições simples e equilibradas. De tudo aquilo que, por ser consumido diariamente, tem muito impacto para a saúde e o bem-estar do corpo e do Planeta.
Os dias de Apolo são os dias das escolhas mais perenes e importantes: alimentos integrais, vegetais orgânicos, sal marinho, carne de origem responsável e em pouca quantidade, muita água, pouca e boa gordura, o mínimo possível de industrializados, álcool e refrigerantes. São dias para apreciar os sabores e experiências simples e essenciais, que nos trazem a calma e a tranquilidade do controle. Ir dormir depois de uma delicada sopa de legumes pode ser tão delicioso quanto cair na cama exausto depois de uma festa regada a pratos de massa, queijos e garrafas de vinho. Mas tudo tem seu tempo e seu espaço, e a rotina precisa da ordem para que o possamos aproveitar muitos anos de dias de Dionísio.
Dionísio representa o espírito da vontade de viver intensamente, da espontaneidade, da embriaguez e do êxtase. É a afirmação triunfal da realidade humana, da verdade sem máscaras ou normas, de tudo o que é duvidoso, acaso, e que pode ou não acontecer.
Os dias de Dionísio são os dias da expressão dos desejos, do imprevisto, da falta de controle e das escolhas sem sabedoria. São os dias que se diferenciam da rotina, que dão permissão para o deleite despudorado da vida. E, exatamente por serem diferentes da rotina, não podem se transformar nela, sob pena de uma vida curta e sem perspectivas de experiências e sabores especiais. Dias de Dionísio têm pastel de feira, lula frita e cerveja na praia, incontáveis taças de vinho, pão com linguiça, tábua de queijos, bolo de chocolate, lasanha. Tudo aquilo que está na caixinha do “especial e raro”, e tem que continuar lá. Comer pastel de feira todo dia vai torná-lo tedioso e previsível, e ele não fará mais parte dos deliciosos dias de Dionísio (e tampouco será aceito nos responsáveis dias de Apolo). E, assim, o prazer do pastel de feira será perdido, coisa que ninguém quer.
Pois bem, feita a introdução, a minha dieta ideal e equilibrada (e talvez os nutricionistas vociferem arremessando inhames no palco), é viver dias de Apolo durante a maior parte da semana, e dias de Dionísio no fim-de-semana. Esse equilíbrio funciona para mim, desde que, durante o fim-de-semana, Apolo também apareça em algumas refeições (se a noite de sábado foi digna de uma orgia romana, por exemplo, o café da manhã de domingo pode ser menos voluptuoso). E é evidente que, quando se passa duas semanas inteiras no colo de Dionísio se refestelando, é preciso uma boa temporada de ordem e razão para que o equilíbrio aconteça.
A beleza desta equação é que os dias de prazer e desmesura cansam, saturam e nos fazem ansiar pelos dias de controle e calma. E fica mais fácil trocar a sobremesa do dia-a-dia por uma fatia de fruta quando se tem a perspectiva de comê-la sem culpa num futuro próximo.
Então, neste janeiro, posso dizer que estou de dieta como sempre estive. Mas que agora, a dieta não faz parte das resoluções de ano novo, mas da descoberta pessoal de um modo de vida saudável, feliz e sem neuroses. E hoje, em uma plena terça-feira apolínea de volta de férias, vou comer arroz integral com salada e frango grelhado, maçã com iogurte e granola à tarde, sopa de lentilhas à noite. Aliás, sopa de ontem, porque os dias de Apolo também não toleram desperdício.