Toda comida nasceu para ser amada e tem seu lugar no coração. Salada, sopinha, chuchu, abobrinha. É só temperar com amor e carinho para que os sabores apareçam. O tempero não pode atropelar a essência de cada alimento. Ao contrário, deve despertar o melhor dele. Como em um namoro, há de se apaixonar pela pessoa, e apenas adicionar o necessário para que aquilo que a torna única se sobressaia. E é por isso, entre outras coisas, que temperos prontos não funcionam: cada alimento pede uma dose diferente disso ou daquilo, uma pitada a mais, um raminho, uma folha. Ervas, sal, pimenta, alho, cebola, açúcar, limão, azeite, vinagre, mel, mostarda, vinho… Folhas e legumes também temperam. Fantasias, situações inusitadas, olhares inesperados, músicas, risadas, duas taças. E que delícia um pedacinho de linguiça ou ricota defumada. E as frutas? Laranja, limão, romã, abacaxi. Mão na coxa, hálito quente na nuca, uma palavra no ouvido… Tanta coisa vira tempero! Não tem fim. Ainda bem.
Isso me faz passar pelo corredor de temperos prontos espumando de raiva. “Meu feijão”, “meu arroz”, “meu frango”, “meu molho”, “meu caldo”, “minha sopa”, “minha feijoada”, “meu tédio”. Um monte de produtos de que ninguém precisa. Uma ilusão de que existem fórmulas para deixar a vida mais interessante. Temperos artificiais e superficiais, cheios de sódio e ódio, glutamato, corantes e conservantes. Temperos que deixam tudo com o mesmo gosto e que, por serem muito fortes (justamente pelos sabores artificiais), viciam o paladar em uma intensidade falsa, que os alimentos naturais não têm. Comprometem a capacidade de sentir os sabores, as sutilezas, as diferenças. O redemoinho, as pintas, o formato da unha, os cabelos brancos escondidos, a curva do pescoço.
Temperos prontos geram uma dependência também nos processos da cozinha, criando a ilusão de que hábitos simples, como cortar uma cebola, são tarefas hercúleas que parecem ter um nível de dificuldade insuportável. Perdemos o paladar, perdemos a capacidade de processar nossos próprios ingredientes e perdemos o contato com a comida. Perdemos o impulso, a dádiva do incerto, da paixão inexplicável, da surpresa, dos riscos e frios na barriga.
Meia cebola, um dente de alho e sal são suficientes para temperar o arroz. Dois dentes de alho, um pouquinho de azeite, sal e pimenta fazem um feijão delicioso. Não precisa ter um pacotinho para cada coisa, não precisa ter aquele sabor forte e intenso que mascara a comida, que deixa tudo com gosto de macarrão instantâneo. Basta não deixar faltar o básico e equilibrar os temperos de acordo com o alimento e o momento. Basta encontrar os seus temperos favoritos e usá-los sempre até que picar uma cebola seja mais fácil que abrir uma embalagem de tempero artificial. Basta experimentar com o que tiver na geladeira e no coração, e ver se a paixão acontece. Sem preguiça, sem medo de ficar com os dedos cheirando a alho. Porque sem tempero, não tem paixão. E sem paixão, não tem vida.