A televisão mostrou um carneiro sendo abatido em um programa de culinária. O animal, criado por um pequeno produtor, teve uma vida digna e foi sacrificado para se transformar em alimento. Assim como tantos outros animais que se transformam em hambúrgueres nas redes de fast food. Esses, no entanto, provavelmente viveram confinados, foram submetidos a condições cruéis, ficaram doentes e tiveram sua carne invadida por antibióticos, ácidos e conservantes. Tudo em nome de uma produção volumosa e lucrativa.
Muitas pessoas se incomodaram com a exibição do abate do carneiro: crueldade, falta de respeito. Esquecem que o hambúrguer, os nuggets, a salsicha vieram também de animais que morreram, ainda que em nada se pareçam com eles. Carne morta processada não chora e não choca.
É possível fazer a escolha de viver sem carne. De fato, a tendência da alimentação mundial é que a carne se torne cada vez menos protagonista. Mas a verdade é que a história da Humanidade é carnívora, e que o homem, desde o seu primeiro suspiro, mata animais para se alimentar.
Muitas sociedades primitivas faziam do abate um ritual de coragem e respeito. A carne era rara e difícil, e todas as partes do animal eram aproveitadas. A caça pela sobrevivência era quase um pacto com a natureza. Homem e animal estavam próximos. O alimento fazia parte da natureza e era consumido por ela.
Hoje, essa imagem nos assombra. Não conseguimos compreender o ciclo da vida, a forma como tudo é conectado e interdependente. Esquecemos de onde vem o alimento, esquecemos do barro, da semente, da chuva, do Sol e do sangue.
Lutamos contra a natureza ao invés de nos conectarmos com ela. Não mais nos alimentamos, apenas comemos. Perdemos o respeito pelo alimento e pela sua origem. Perdemos os rituais simples e grandiosos da colheita, da criação, do abate, da partilha. Consumimos pacotes de calorias. Engolimos avidamente sanduíches enquanto lemos as notícias, mordemos pedaços de massa frita encostados em balcões, sujamos os vagões do metrô com migalhas de salgadinhos alaranjados enquanto enchemos os estômagos tão vazios quanto nossos hábitos.
Alteramos o clima, destruímos o solo, poluímos o ar porque precisamos consumir. Consumir sem parar, sem pensar, sem precisar.
E porque consumimos mal, consumimos muito e avidamente. Porque nada nos satisfaz. Porque não precisamos matar um animal para comer. Porque não precisamos passar meses cuidando de um legume para colhê-lo e servi-lo à família. Porque não acompanhamos tudo o que foi necessário para que aquele hambúrguer congelado chegasse ao nosso freezer envolto em muitas camadas de embalagem. Porque devoramos a comida com desprezo e de maneira robótica em frente à televisão.
E aí está a falta de respeito. Não na morte do animal, mas na morte da nossa relação com a natureza. Alimentamos o corpo com comida processada enquanto alimentamos processos nocivos aos animais, ao meio ambiente, à saúde.
Os alimentos industrializados parecem estar distantes de qualquer tipo de sofrimento, de dor, de culpa, de dúvida, de qualquer decisão moral. São tão brilhantes, limpos, arrumadinhos, regulares, nunca estragam. São tão diferentes do carneiro ensanguentado, da cenoura cheia de terra, dos ovos sujos, das verduras com vermes. São tão diferentes da vida.
A carne é vida, e a vida se defende. A carne esperneia, grita e sangra. E morre para nos alimentar. Comer carne tem um preço: o preço de compreender o ciclo da vida e aceitar a morte. Porém, ao contrário do que os nossos olhos cansados e míopes podem ver, ao esconder a verdade, pagamos um preço muito maior. Ao fecharmos os olhos ao impacto do alto e inconsequente consumo de carne, estamos compactuando com um ciclo destrutivo e uma carne ruim e tóxica.
Mas a verdade é sempre digna. E a verdade é que a nossa carne clama pelo alimento vivo, verdadeiro. O alimento que sacia, que se come com devoção e respeito à vida e à natureza.
Comendo carne ou não, que nos alimentemos de forma consciente, sabendo que tudo está conectado, da concha do caramujo às galáxias. Consumir com respeito é consumir menos e melhor. É consumir de olhos bem abertos, observando a procedência do alimento, o impacto de todos os processos que o levaram até seu prato, e o impacto que ele vai ter no seu corpo.
Nós somos o ponto de partida do ciclo do consumo, e não o ponto final.